Quando me ensinam esqueço,
quando me explicam compreendo,
quando faço aprendo.
Provérbio Chinês
Cena 1 – No princípio era uma sala Interact
Uma sala equipada com um computador, com um videoprojector, com um quadro interactivo (ACTIVboard) e com apenas 11 alunos, tagarelas, mas muito interessados e uma professora (Biologia e Geologia), já habituada a utilizar a tecnologia em causa (não, não é garantia de que a velha lei de Murphy não se venha a aplicar…).
Cena 2 – Improviso sem aviso
Segunda-feira de manhã, a professora resolveu não preparar o flipchart habitual, tentando construir um de raiz durante a aula.
(Tema da aula – aula prática de análise de amostras macroscópicas de rochas sedimentares, com o objectivo de fazer a sua classificação e deduzir o ambiente de formação.)
Cena 3 – À espera de Godot
A professora tem que esperar pelas amostras de rochas, entretanto utilizadas por um colega numa outra aula.
Cena 4 – E agora para algo completamente diferente
A professora chega atrasada à sala, completamente atrapalhada, com o livro de ponto, pasta, e 4 tabuleiros com amostras de rochas, bem pesados, diga-se de verdade…
Habitual conversa de 30 segundos com os alunos, como está a correr o dia, então o fim de semana, enfim, conversa de treta, dita-se o sumário, explica-se o objectivo da aula e liga-se o material de tecnologia de ponta.
Cena 6 – Dividir para reinar
Os alunos são divididos por grupos de trabalho, a professora explica em cada grupo a análise que devem fazer às amostras de rochas.
A professora dirige-se ao quadro interactivo e, com a respectiva caneta, inicia a construção do seu flipchart, totalmente estruturado, mas na sua cabeça…
Cena 8 – Sem comentários
A professora pensa estar com alucinações… De cada vez que tenta escrever palavras em português escorreito, daquelas que existem nos dicionários, o quadro mostra-lhe… o equivalente a um desenho altamente elaborado pela sua filha de 2 anos de idade. Pensa em George Orwell e no triunfo das máquinas sobre os Homens…que raio se passa?
Cena 9 – A lei de Murphy, o corolário
Esta tinha sido a aula escolhida para ser filmada pelo coordenador do projecto Interact, professor José Paulo Santos. E lá estava ele, pacientemente, no seu canto com a máquina montada em cima do tripé, qual Francis Ford Copolla…e com o olhar mais incrédulo deste mundo!
Bem, a dada altura lá saiu do seu canto e meteu mãos à obra, tentanto por todos os meios perceber a insistência do quadro em não funcionar!
Foram 200 aulas as leccionadas àquela turma ao longo do ano…adivinhem qual a que correu mal…
O que correu bem…
Sou professora de Biologia e tive o privilégio de assistir à apresentação de um programa revolucionário – P3D – que graças à simulação de situações celulares em 3 dimensões poderia vir a resolver muitos dos problemas de visualização que os nossos alunos têm relativamente a algumas matérias.
Concretamente, eu esperava mostrar aos meus alunos um fuso mitótico e o movimento dos cromossomas durante a divisão celular. Infelizmente não foi possível e, mais uma vez tive que recorrer à nossa quase inesgotável capacidade de improviso.
Exemplo 1 – Recombinações Genéticas
A braços com a meiose e as múltiplas possibilidades de recombinação entre cromossomas de origem materna e cromossomas de origem paterna, que no tornam únicos, tinha, felizmente, ao meu dispor um quadro Interactivo que me permitiu desenhar uma circunferência, introduzir-lhe uma linhas (fuso) e uns riscos (cromossomas). A partir disto aos alunos foi permitido rodar os cromossomas, alinhá-los de várias maneiras e de experimentar resultados, sempre diferentes.
Quando um dos comentários dos alunos é “Ah, agora já percebi estes desenhos do livro”, tudo vale a pena.
Exemplo 2 – Verificar a acção da pressão sobre um corpo
Séc XXI (aQI): Vejam lá, aqui está um cubo não sujeito a pressão. Como ficará o cubo quando submetido a pressões iguais em todas as direcções?...destapa-se o acetato e….voilá.
Séc XXI (dQI): Arrasta-se um cubo da bibiloteca de recursos (BR) - um desabafo: a BR da versão 2.1 é a melhor – selecciona-se o cubo com a caneta e reduz-se o tamanho, mantendo as proporções iniciais…outro tipo de pressão? Igualmente fácil.
É claro que podem ser os alunos a fazer tudo isto…afinal têm os manuais para fazer a pesquisa, e o quadro não é exclusivo do professor!
aQI – antes do quadro Interactivo
dQI – depois do quadro interactivo
Exemplo 3 – E agora uma dúvida existencial?
A fagocitose e a diapedese são fenómenos biológicos difíceis de visualizar, pelo facto de serem dinâmicos. Durante uma aula em que estes conceitos não constituíam objecto de estudo, um aluno levantou uma dúvida sobre estes conceitos celulares.
Quando se tem um PC, Internet (a funcionar) e um QI, só tivemos que fazer uma pequena pesquisa no Google até encontrarmos um neutrófilo a perseguir uma bactéria… emocionante… só que sem sirenes!
Exemplo 4. – Quando se quer juntar o útil ao agradável…
Era dia de resolução de uma ficha de trabalho, não era necessário o QI, achava eu. “Ó Stôra, que tal se ouvíssemos uma musiquinha no YOUTUBE? “Meus amigos, disse eu, só desta vez…não pensem que podem ter música todas as aulas”, mortinha por ouvir qualquer coisa enquanto os alunos resolviam uma ficha enorme…Azar, as colunas de som não funcionaram…fiquei triste, a sério!
Exemplo 5 – Ver Portugal do espaço e poder (re)desenhá-lo…
O estudo das formas do litoral português a partir de imagens obtidas com o Google Earth… fantástico, e um dos que mais entusiasmou os alunos.
O que mudou na minha prática docente?
A redescoberta da exploração das imagens, de grande importância na disciplina que lecciono, o prazer de colocar os alunos a resolver os problemas que lhes apareciam nos flipcharts.
É muito giro, não sei se percebem, nós é que fazemos o TPC, eles fazem o TPA…
O trabalho colaborativo com os colegas…
Tive o privilégio de trabalhar o mesmo nível de ensino com um colega, João Pedro Teixeira, excelente coordenador Interact na escola Secundária de Vale de Cambra. Partilhamos quase todos os flipcharts produzidos, elaboramos alguns em conjunto, e algumas vezes, os flips do João até me serviram de inspiração, apesar dos resultados finais serem diferentes.
Durante 25 horas, tentei partilhar conhecimentos com alguns colegas numa acção de formação orientada por mim, no sentido de produzirmos materiais didácticos para as disciplinas de Biologia e de Geologia. Penso que com algum sucesso, apesar de todos os formandos serem de opinião de que a tarefa mais difícil foi aturar a formadora…
Em jeito de conclusão…
Durante um ano e meio produzi muitos flipcharts, com diferentes níveis de elaboração. Tentei testar várias aproximações sempre com a mesma dedicação e sempre com o mesmo objectivo em mente: transformar a aprendizagem em descoberta, participação e experimentação
Todos (quase, confesso…) estão publicados em www.interactportugal.com, de modo a serem vistos, criticados, reutilizados…
Após um ano e meio de projecto Interact, sinto uma certa necessidade de testar novas aproximações nas aulas com os meus flips.
O facto de ter trabalhado com turmas cujos alunos foram submetidos a um exame nacional condiciona em alguma medida a metodologia utilizada nas aulas.
Por esta razão gostaria de experimentar novas abordagens, sobretudo numa disciplina em que os alunos não tivessem de fazer exame nacional…aí sim, poderia tentar desenvolver o gosto dos alunos pela pesquisa e por à prova a minha (modesta) criatividade.
Vale de Cambra, 10 de Julho de 2007
Maria João Valente Soares Ferreira e Silva
Escola Secundária de Vale de Cambra