Estudei em Sintra, licenciei-me em Lisboa, trabalhei em Lisboa e
No primeiro ano lectivo, exerço funções docentes na EB1 de Castelo de Paiva nº1, de onde guardo muito boas recordações pessoais e profissionais. No segundo ano, este que agora finda, sou colocada na EB1 de Castelo de Paiva nº2, por um período de três anos. Reencontro as colegas com quem trabalhei em Sintra e falo-lhes com alegria da minha mudança. Digo-lhes que tenho a possibilidade de utilizar um Quadro Interactivo e questionam-me sobre as funções de tal ferramenta. Com satisfação e muito orgulho, apresento-lhes as novidades que, ainda hoje, não são conhecidas na grande Lisboa, mas que já fazem furor num pequeno concelho do norte!!!
E terminado o meu desvio no tempo e no espaço, retorno ao final do ano lectivo 2006/2007, depois de um ano de trabalho com uma turma de 2ºano de escolaridade, na Escola Básica 1 de Castelo de Paiva nº2, para apresentar o meu relatório incidente sobre a utilização do Quadro Interactivo na sala de aula.
Em primeiro lugar, esclareço que não sou por norma uma aficionada das TIC, conheço os procedimentos básicos de alguns dos programas mais usualmente utilizados para trabalhar com computador, não aderi fanaticamente ao acesso à Internet com todas as suas janelas abertas… Da mesma forma, ao iniciar o ano, não encarei o facto de leccionar numa sala onde estava instalado um Quadro Interactivo como uma mais valia só por si. Quer isto dizer, que não vi unicamente a ferramenta que se me apresentava, mas pude redimensionar as minhas metodologias e estratégias de trabalho tirando proveito de mais um recurso que tinha agora à minha disposição. Afirmo diversas vezes, e choco alguns colegas ao fazê-lo, que não pretendo ensinar os meus alunos a ler, a fazer contas, a nomear os rios de Portugal (e por aí fora… os conteúdos programáticos são inúmeros). Pretendo, antes, ajudá-los a descobrir o prazer de aprender!!! Pretendo, antes, ajudá-los a aprender a aprender!!! E foi nesta perspectiva que encarei o QI, como sendo mais uma ferramenta a que posso recorrer procurando alcançar o meu objectivo.
Sem dúvida nenhuma, que o QI constituiu um factor de motivação para os meus alunos. Quando o ano iniciou e entrámos na sala, ficaram maravilhados! Tendo explicado que ainda teria de aprender a usar o quadro, todos os dias me vi “interrogada” pelos meus alunos: “Professora, já sabe?”, “Já vamos usar o quadro?”, “Ó professora, quando é que aprende a ligar o quadro para nós usarmos?”... E eu, que pretendia motivá-los para o seu processo de aprendizagem, vi-me motivada por eles para a minha aprendizagem. E desculpem-me aqueles que esperam resultados brilhantes por parte dos alunos… Desculpem-me os que procuram vantagens para os alunos usando esta tecnologia… Pois de nada servem materiais, tecnologias sofisticadas, se o professor não se sentir envolvido para, então, envolver os seus pequenos aprendizes!
Não posso dizer que tenha mudado metodologias de trabalho, mas reformulei estratégias: na motivação para a leitura e a escrita, no trabalho de aperfeiçoamento de texto, no desenvolvimento do cálculo e raciocínio, na motivação para a descoberta.
Ponto importantíssimo, que devo salientar, reporta-se ao comportamento dos alunos em ambiente de sala de aula e ao cumprimento de regras de trabalho. Dada a enorme vontade de serem chamados a trabalhar no QI os alunos foram interiorizando, mais significativamente e com maior rapidez, que o colega deve ser respeitado, para que o próprio também o seja na sua vez de ir ao quadro.
E, uma vez que estou a falar de motivação e de aprendizagem comportamental, partilho uma situação específica com um aluno com Necessidades Educativas Especiais, aluno com Trissomia 21, pouco comunicativo, muito irrequieto e apresentando uma capacidade de concentração mínima nas actividades propostas. Foi interessante e muito gratificante, observar a atenção crescente do aluno para com tudo o que se passava no quadro, ao ponto de, ao chegar à escola, pedir à mãe que o levasse de imediato para a sala porque, como ele dizia “tem bonecos”. O poder da imagem demonstrou-se claramente. Maior espanto senti quando, chamando o aluno ao quadro para pintar uma figura, o vejo manejar a caneta mudando cores sem que nada lhe fosse dito. Parece uma situação insignificante, mas é preciso conhecer o aluno para perceber a intensidade e a importância desta realização!!!
Falando ainda de motivação, foi bastante interessante notar que os alunos ansiavam pelas actividades lúdico-didácticas disponibilizadas através do software ACTIVPrimary, nomeadamente para a área de Matemática, área essa que geralmente é o “bicho-papão” que amedronta e inibe os nossos alunos. Além disso, notava-se muito claramente o espírito de entre-ajuda estabelecido entre os alunos (porque o objectivo não era cada um deles conseguir, mas sim a turma conseguir realizar a actividade). Este factor auxiliou os alunos que, por natureza, são mais reservados, tímidos e inseguros, libertando-os para uma maior participação na aula.
Devo salientar que, mais importante do que o trabalho de aula baseado nos meus flipcharts, foi o trabalho que os alunos puderam construir e apresentar que trouxe maiores ganhos em todo este processo. Durante as aulas, a turma descobriu conhecimentos, organizou-os e preparou flipcharts. Estes serviam não só como recurso de revisão de aprendizagens, mas também como prova daquilo que os alunos estavam a alcançar e a fazer nas aulas. E este facto era de tal modo importante, que eles prepararam uma aula para os seus pais, demonstrando o seu trabalho. Lembro a enorme satisfação dos alunos por estarem no papel de professores, lembro a satisfação dos pais por estarem no papel dos seus filhos e, principalmente, por observarem a alegria deles por terem oportunidade de mostrar o que estavam a aprender. Foi uma experiência que correu bem e que pais, alunos e professora esperam repetir!!!
Ao longo do ano, senti que os manuais foram ocupando um lugar cada vez menos imprescindível. Esta situação não se deveu ao facto de ter um quadro interactivo na sala de aula. Desde o início da minha carreira profissional que posiciono os manuais no lugar que, penso eu, devem ocupar – ou seja, simples recursos de apoio e não como ditadores do processo de ensino-aprendizagem. É bem verdade que nem sempre existem outros recursos de apoio, é bem verdade que os pais se sentem mais seguros quando os seus filhos cumprem todos os exercícios do dito livro, é bem verdade que os professores (não sei se muitos ou pouco) se sentem mais seguros de si quando chega o final do ano lectivo e o manual está todo escrito. “Já dei o programa todo!”, dizemos nós… seguros de que a nossa função está cumprida… Mas falta o resto, falta o principal (arrisco a dizer…)! Onde fica a motivação e a liberdade de cada indivíduo construir o seu saber?! Então aqui pode entrar o Quadro Interactivo!
Não perdendo o Programa e o Currículo de vista, mas apontando para as Competências, é possível construir o conhecimento dos alunos, com os alunos, partindo dos alunos de forma igualmente estruturada (quando comparada ao uso do dito manual). A par disto, encontro ainda a vantagem de, passo a passo, dia-a-dia, haver a oportunidade de registar e guardar toda a descoberta dos alunos, toda a estratégia implementada, todo o trabalho realizado.
Quase a terminar, uma última reflexão sobre o trabalho de colaboração que se pode gerar entre alunos e entre docentes. A utilização do Quadro Interactivo permite que um trabalho nunca se dê por terminado. Os alunos podem partir do flipchart do professor ou de um colega para modificarem, alargarem, retirarem e continuamente construírem o seu conhecimento. Um professor, que se integre num ambiente de colaboração e abertura, pode ver o seu trabalho enriquecido e facilitado pela partilha de flipcharts e, acima de tudo, pela partilha de experiências que daqui podem surgir! Não o digo no plano da utopia, mas porque tive a oportunidade de experienciá-la este ano na partilha de dúvidas, de incertezas, de estratégias, de certezas com uma colega, também ela docente de 2ºano.
O que se poderá melhorar? Modificar? Resposta difícil… Quando se envereda por um caminho diferente e desconhecido, não há a experiência de outros caminhantes que nos possa guiar. Contudo, há algo que nunca se poderá descurar: a capacidade de reflexão sobre a opção tomada, sobre o caminho já percorrido, sobre o que está ainda por percorrer! E que seja uma reflexão individual, mas também de grupo (professores, alunos, pais, comunidade). Que seja uma reflexão sobre breves momentos da prática educativa - porque estes podem fazer a diferença - , mas igualmente sobre o percurso de aprendizagem globalmente, não correndo o risco de sobrevalorizarmos ferramentas em detrimento das finalidades.
Provavelmente não terei cumprido os requisitos de um relatório, enveredando por uma reflexão pessoal (e, por isso, menos objectiva) sobre a experiência deste ano lectivo utilizando o Quadro Interactivo… Considero-me mais sensível a sentimentos, atitudes, do que a números ou percentagens… De qualquer forma, aqui fica o testemunho de uma professora que se sente enriquecer!
Maria João de Jesus Brochado
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Gostei muito deste testemunho... É bom recordar esta iniciativa pelo "diferente e desconhecido"!
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