quarta-feira, 5 de setembro de 2007

O Olho Mágico no Brasil...



O Projecto "Interact - Quadro Interactivo na Sala de Aula" e o seu blogue, desde a sua génese, procuraram a criação de parcerias, a partilha e colaboração entre escolas, entre professores, nacionais e estrangeiros. Com uma "rede social" bem mais abrangente, porque é visitado por pessoas oriundas dos quatro cantos do mundo, os contactos e os contributos vão surgindo para alargar os nossos horizontes e aumentar a nossa experiência. Em vários países, tais como o Reino Unido, os Estados Unidos (com elevada taxa de implantação), o Canadá, a França, a Espanha, a Alemanha, o México, entre outros, a utilização dos quadros interactivos em contexto de sala de aula tem-se revelado uma interessante e útil solução para o desempenho do docente e para uma maior motivação e atenção dos alunos.

É com muito prazer que hoje abrimos espaço a um outro olhar... Um olhar do Brasil:


A Prof. Maria do Carmo Ferreira Xavier é professora há 7 anos em cursos de línguas no Rio de Janeiro. Actualmente, conclui a sua especialização em Língua Inglesa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ).


"Um filme de Walter Salles. Pense num. Não lembra o nome? Tudo bem. Mas lembra-se das imagens, com certeza... Sim, porque as imagens de Walter Salles são como as imagens de Win Wenders, e do tão aclamado Céu de Lisboa – inesquecíveis. O que vem à sua mente, então? Grandes regiões áridas, cenários mornos, tons de terra, a vegetação do serrado, pobreza... e... salas de aula, certo? Sim, muitas salas de aula, milhares de alunos, professores bem treinados, recursos fartos... Infelizmente, não é bem assim. Contraditório demais. Os objetos que compõem o cenário da educação no Brasil são todos da mesma natureza, e estão solidamente ligados aos componentes dos lindos filmes do cineasta brasileiro. Observar o Brasil, nesse sentido, é como contrastar ouro e prata e ao final de todo o processo dizer que os dois têm a mesma origem. Será que isso é possível? Mais do que uma terra de diferenças, a antiga Terra de Santa Cruz, tão aclamada por seus recursos naturais, é, antes de tudo, uma terra de ambiguidades: distribuição de renda desproporcional e níveis de desenvolvimento tão distintos quanto as próprias regiões brasileiras. Distanciam-se na diversidade cultural; aproximam-se na exclusão e na crise.

Descrever uma sala de aula brasileira não é tarefa nada fácil.

Do que estamos falando, afinal? Das cadeiras acolchoadas e dos aparelhos de ar condicionado das escolas da Zona Sul carioca, ou da terra riscada com os gravetos de Paulo Freire? Dos lindos laboratórios de informática das universidades paulistas, ou das paredes feridas por tiros e mesas quebradas das favelas? Falar de educação no Brasil é afrontar as próprias crenças, os modelos aprendidos, um exercício constante de desconstrução.

Mas o que tudo isso tem a ver com o quadro interativo, afinal? Há espaço para a tecnologia no meio de tudo isso? Diferentemente do professor que trabalha em escolas de ensino fundamental e ensino médio, aquele que trabalha em escolas de idiomas, tem em suas mãos o ofício de um garimpeiro às avessas. O garimpeiro é aquele que trabalha à cata de metais e pedras preciosas, o profissional das lavras diamantinas. São homens que passam o dia procurando metais nos fundos dos rios brasileiros. Com uma peneira eles separam as pedras. Enquanto as boas são guardadas numa pequena bolsa que ele carrega na cintura, as sem valor são devolvidas ao leito do rio, fadadas a perpetuar sua existência de pedra. O professor de escolas de idiomas tem o desafio de fazer o inverso. Ao lançar sua peneira no rio, ele recolhe toda e qualquer pedra sorteada. Em outras palavras, trabalhamos num sistema alternativo, onde recebemos todo tipo de aluno, de toda classe social. Tenho turmas onde estudam psicólogos e frentistas (profissionais de postos de gasolina) – históricos completamente diferentes, referências tão díspares quanto o próprio cenário econômico do país. Duas realidades unidas pela necessidade de falar inglês, facilitada pela presença do quadro interativo.

Se vivemos a era da comunicação, da autonomia, do ensino colaborativo, vivemos também a era da democratização do saber através de uma única rede. Esses mesmos alunos, separados por tantas questões, passam a desenvolver, juntos, fóruns para tratar de assuntos relacionados às suas vidas, escrevem blogs para que os outros leiam – na sala de aula interativa eu não diria apenas que o aluno tem voz, mas QUALQUER aluno tem voz. O quadro interativo abre uma porta em que o olhar não está mais nas páginas de um bonito livro de páginas enceradas e fotos que ilustram a realidade dos que detêm o poder econômico. Os olhos deste aluno estão voltados para o mundo, com todos os seus contrastes, problemas e, melhor do que nunca, possibilidades.

O quadro interativo passa a ser como um olho mágico*, que nos permite responder, finalmente, à pergunta: quem está lá fora?"

* o "olho mágico" é aquela lente que se coloca na porta de entrada nas nossas casas para vermos quem toca à campaínha, no exterior.

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